sexta-feira, 4 de maio de 2007

Alegoria da Caverna


Como este foi o tema discutido durante a última aula, achei interessante postar o trecho do livro A República, onde Platão expõe a alegoria. Retirado do livro VII, este é um diálogo entre Sócrates e Glauco, irmão de Platão.




Sócrates - Agora imagina a maneira como segue o estado das nossas naturezas relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa moradasubterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homensestão aí desde a infância, de perna e pescoço acorrentados, de modo que nãopodem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes osimpedem de voltar à cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina quese ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estradaascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro,semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si epor cima das quais exibem as suas maravilhas.


Glauco - Estou vendo.


Sócrates - Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens quetransportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens eanimais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre essestransportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.


Glauco - Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.


Sócrates - Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa talcondição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros,mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes ficadefronte?


Glauco - Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda avida?


Sócrates - E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?


Glauco - Sem dúvida.


Sócrates -Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, nãoachas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?


Glauco - É bem possível.


Sócrates - E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre queum dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passassediante deles?


Glauco - Sim, por Zeus!


Sócrates - Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão àssombras dos objetos fabricados?


Glauco - Assim terá de ser.


Sócrates - Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se foremlibertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte umdesses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, avoltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todosestes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhevier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto darealidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim,mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas,a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que viaoutrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?


Glauco - Muito mais verdadeiras.


Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarãomagoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e nãoacreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?


Glauco - Com toda a certeza.


Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subira encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?


Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.


Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetosda região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridadedos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corposcelestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.


Glauco - Sem dúvida.


Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagensrefletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seuverdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.


Glauco - Necessariamente.


Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é eleque faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, decerta maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, nacaverna.


Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.


Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aíse professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas quese alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?


Glauco - Sim, com certeza Sócrates.


Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensaspara aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras,que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a suaaparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigasilusões e viver como vivia?


Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessamaneira.


Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-seno seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastarbruscamente da luz do Sol?


Glauco - Por certo que sim.


Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com osprisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essassombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenhamrecomposto, pois se habituar à escuridão exigirá um tempo bastante longo, nãofará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltoucom a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E sealguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, sepudesse fazê-lo?


Glauco - Sem nenhuma dúvida.


Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto,esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vidada prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerarescomo a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto àminha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela éverdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéiado bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se podeapreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existem todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundointeligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e épreciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vidapública.


Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.


Encontrei também um esquema de como seria a caverna. Se encontrar outro desenho melhor, posto depois.






Rodrigo Simões

2 comentários:

Anônimo disse...

GOSTEI DO TEXTO!
COMO DISSE GLAUCO:
Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.

BLOGDOKOMUNA

Anônimo disse...

Eu acho esses textos platônicos tão engraçados. Sempre tem alguém chamado "Glauco" ou "Cassius" que só fica concordando com o porador principal. Devia se chamar "o Monólogo de Platão". Mas o conteúdo do texto, que é o que importa, é excelente.

Adicionamos o seu blog no roll de links lá do nosso. A gente tá discutindo um pouco de Matrix também, mas por um viés meio diferente.

Abraço